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12/02/2020 14h00
Cena de entregador de aplicativo em meio a temporal retrata precarização

Em meio aos temporais que atingiram Belo Horizonte nas últimas semanas, uma imagem chamou a atenção e viralizou na internet ao retratar, mais do que o caos e a destruição em toda a cidade, um problema social: a precarização do trabalho. A foto de Alexandre Mota, de O TEMPO, mostra um entregador de comida por aplicativo ilhado na enchente que atingiu a avenida Prudente de Morais e adjacências, no bairro Cidade Jardim, na região Centro-Sul da capital. A reportagem localizou o homem: ele tem 27 anos, um dos 5,5 milhões de brasileiros cadastrados em aplicativos de entrega e transporte, segundo o Instituto Locomotiva.

Enquanto procura um emprego com carteira assinada, essa é a forma que o rapaz encontrou para sustentar a família: trabalhar dez horas por dia, de segunda a segunda, faça sol ou chuva, mesmo que seja muita. Minutos antes da foto ser tirada, o entregador havia sido acionado pelo aplicativo para pegar uma entrega em um restaurante a 200 m dali. “Eu parei no posto (de combustível) para fazer a coleta. No momento em que deixei a moto e fui subir a rua, já começou a encher de água. Quando voltei, a água já tinha tomado conta”, diz o motoboy, que não conseguiu sequer pegar a encomenda e ficou ilhado.

No momento do registro, ele tentava encontrar uma rota de fuga. Com a ajuda de moradores de prédios vizinhos, conseguiu sair do local e, mesmo após o sufoco, continuou a trabalhar e ainda fez duas entregas naquela noite, quando em apenas três horas choveu o equivalente a 56% da média de todo o mês de janeiro. “Eu aceito qualquer entrega, mesmo que longe, porque a situação não está fácil”, afirma.

Segundo especialistas, essa forma de trabalho cresce, associada à baixa remuneração e à falta de direitos. “Chego a tirar de R$ 80 a R$ 100 por dia. Estou conseguindo sustentar a família, mas não é uma coisa fixa, não é carteira assinada. Tem riscos e eu gostaria de arrumar um emprego, mas as oportunidades são muito fechadas. Mandei vários currículos e não obtive sucesso”, conta o entregador, que mora em Contagem, na região metropolitana, com a mulher, que está desempregada, e o filho de 4 anos.

Uma pesquisa realizada pela Fundação Instituto Administração (FIA) no ano passado mostra que a maioria dos entregadores de aplicativos no Brasil são homens com escolaridade média. Oito a cada dez são responsáveis pela principal renda da família.
“Existe uma ideia de versatilidade, praticidade e boa adaptação dos horários de trabalho à vida que a pessoa leva, mas, devido ao fato de os rendimentos serem baixos, torna-se um trabalho para sobrevivência”, diz o economista e professor da UFMG, Mario Rodarte.


Modalidade não tem jornada máxima nem renda mínima
Especialistas defendem a criação de uma regulação do trabalho de entregadores de aplicativos. É preciso, por exemplo, que sejam estipuladas jornadas máximas de trabalho, remuneração mínima e questões de saúde e segurança dos trabalhadores.
“Essas empresas estão numa tendência de liberalização do mercado, mas, ao mesmo tempo, provocam maior necessidade em relação ao Estado, elevando custos com segurança e seguridade social. Usam aquele discurso de que poderia ser pior, mas pode ser um pouco melhor também”, diz o advogado e professor do Ibmec Flávio Monteiro.

O economista e professor da UFMG Mario Rodarte lembra a teoria de que, em terra de desiguais, a liberdade oprime, e a lei liberta. “A tecnologia é muito legal, confortável e funcional para o usuário, mas não precisa existir com precarização. É necessário um elemento nessa equação, que é a regulação por parte do Estado”, afirma Rodarte.

(Com informação do jornal O Tempo)